
O Conto do Planeta Esperar
Um dia, a escola terá um ensino activo de comunicação relacional.
Era uma vez um grupo de homens e mulheres que, farto de viver num planeta onde reinava a falta de comunicação, a incompreensão, a violência, a injustiça e a exploração da maioria pelas minorias burocráticas, políticas ou militares, decidiu exilar-se.
Sim, deixar o seu planeta de origem, o planeta CALAR, para ir viver num planeta diferente que aceitara acolhê-los.
Devo dizer-lhes, desde já, o que tornava este planeta – chamado ESPERAR – diferente. Na verdade, trata-se de um fenómeno relativamente simples mas que, por ser raro, merece grande atenção. Neste planeta, as crianças aprendiam, desde a mais tenra idade, a comunicar, ou seja, a pôr em comum. Aprendiam a pedir, a dar, a receber ou a recusar. De certeza que vão sorrir ou ficar incrédulos perante algo tão pueril ou tão óbvio que não merece a atenção ou o interesse de seja quem for.
Vão pensar que exagero ou que tenho segundas intenções.
Convido-os, no entanto, a escutar.
No planeta ESPERAR, também com uma longa história de guerras e destruições durante milénios, tinha-se finalmente compreendido que a seiva da vida, o que alimenta o bem-estar, a energia vital e, sobretudo, o que dá vivacidade ao amor, é a qualidade das relações que podem existir entre os seres humanos: entre as crianças e os seus pais, entre os próprios adultos.
Tal descoberta não aconteceu sem dor. Foram necessários o empenho e a fé de vários pioneiros, o rigor e a coerência dos que os seguiram, para aceitar o que estava há muito tão mascarado e tão velado, a saber, que todos os habitantes eram, na origem, doentes, deficientes devido à falta de comunicação.
Por exemplo, muitos não sabiam pedir e, por isso, não se arriscavam nem a ouvir uma anuência nem uma recusa. Mas usurpavam, impunham, culpabilizavam, violentavam, para ter e para obter.
Sim, devo dizer-lhes de imediato que o deus que reinava nesta época distante no planeta ESPERAR era o deus TER. Cada qual queria comprar, roubar, tirar aos outros, fechar nos cofres, capitalizar o deus TER. Este reinava sobre as consciências, impunha as suas normas, e a sua moral regulava a circulação das riquezas, violava todas as leis humanitárias, contornava todos os regulamentos em proveito próprio.
A maioria dos seres humanos dessa época não sabia dar; vendia, trocava, enganava para escapar à partilha, entesourava para acumular, guerreava-se continuamente para ter mais e mais.
O receber era frequentemente maltratado. Acolher, expandir tudo o que pudesse ter vindo do outro, era arriscado e desaconselhado.
A intolerância à diferença orientava a maioria para um pensamento único, para os integralismos ou para o “politicamente correcto”. Recusá-los era igualmente apostar em muitas ambivalências, sendo a recusa entendida como oposição, rejeição, desqualificação e não ponto de vista, afirmação positiva quando se tem a liberdade de dizer não, dentro do respeito por si mesmo e pelos outros.
Nessa época, o deus TER apoiava-se em princípios fortes, postos em prática no quotidiano da vida pessoal, profissional e social de cada um.
Recordarei apenas alguns a título indicativo porque, evidentemente, estes princípios tornaram-se hoje caducos no planeta ESPERAR.
O primeiro, de que faziam absoluta questão os pais e os professores da altura, era falar sobre os outros. Sim, sim, não é falar com os outros, mas falar deles, dando ordens, ditando-lhes, por exemplo, aquilo que deveriam pensar ou não, sentir ou não, dizer ou não, fazer ou não. Como compreenderão facilmente, tal princípio destinava-se a manter, tanto quanto possível, as crianças na dependência, e a desenvolver este estádio para proveito de alguns, eternizando relações de dominadores-dominados.
Outro princípio era o de praticar a desqualificação ou a desvalorização.
Ver e pôr de imediato em evidência as faltas, as lacunas, os erros, e não valorizar os êxitos, os ganhos ou os sucessos. A isto juntava-se a culpabilização, muito apreciada, porque evitava o pôr-se em causa ou a responsabilidade, tornando o outro culpado pelo que nos acontecia ou mesmo pelo que poderíamos sentir. «Vê só como me magoas, como me tornas infeliz não seguindo os meus conselhos…»
A chantagem, a dependência, a manipulação completavam os princípios já enunciados para manter, entre os seres humanos, um estado de desconforto, de dúvida, de ambivalência e de antagonismo, propício a desconfianças, violências e desejos de querer mais e mais. A dado momento da história deste planeta, eram tantos os conflitos e as guerras – não de um país contra outro, mas no interior do mesmo país – que dois em cada três seres humanos sobreviviam na insegurança, na pobreza, e com o espectro da fome sempre presente. Nunca houvera tanta exploração económica e sexual das crianças, tantos genocídios friamente decididos, tanta tortura e intolerância.
O homem tornara-se um predador tremendo, dotado de poderes tecnológicos, químicos e biológicos, e capaz de manipulações audiovisuais tão poderosas que nenhum contra-poder podia deter. Em seguida, veio um estado crítico em que a violência íntima, uma violência de sobrevivência, irrompeu nas famílias, nas aldeias, nos bairros das grandes cidades. O aparecimento desta violência, cada vez mais precoce, despertou as consciências. Via-se crianças de oito e dez anos a queimar e a torturar adultos surpreendidos, aturdidos, incrédulos. Pensarão que estou a deturpar, para vos assustar, uma realidade que pode parecer muito semelhante à vossa!
Não pensem, contudo, que todos permaneciam passivos ou inactivos.
Muitos mobilizavam-se, as reformas sucediam-se, as comissões reuniam, os tribunais internacionais tentavam julgar os mais criminosos, alguns ditadores na reforma já não se sentiam seguros, os ministros eram levados a tribunal, os financeiros célebres eram postos na prisão. Havia cada vez mais pessoas a não pactuar com os desvios deste tipo de sociedade.
Mas, como repararam em relação ao nosso próprio planeta, todas estas acções se faziam a jusante, muito mais tarde, e não havia qualquer reforma a montante. Nem uma reforma para uniformizar, reconciliar, propor a cada um as regras de higiene relacional susceptíveis de dar lugar a relações vivas,criadoras, de convivência.
Foi, no entanto, o que fizeram, em algumas décadas, estes pioneiros, estes “despertadores” de vida do planeta ESPERAR, quando convenceram os pais, os adultos, a descer à rua para fazerem greve social. Nunca tal se tinha visto na história deste planeta: homens e mulheres decidiram fazer greve de existência para tentar salvaguardar o pouco de vida que ainda subsistia.
Como é que fizeram? Pararam de trabalhar, de comprar, de utilizar os transportes públicos e privados, de ver televisão, saíram para a rua, encontraram-se, partilharam, ofereceram o que tinham, comungaram a nível das necessidades mais básicas. Ensinaram-se mutuamente o pouco que conheciam sobre uma outra forma de comunicar e de descobrir em conjunto o melhor de si mesmos através do melhor nos outros.
O que se passou em seguida não foi simples: as diligências foram complexas, as resistências fortes, mas um dia, num dos países deste planeta, decidiu-se ensinar a comunicação na escola como uma disciplina de pleno direito, tal como as outras: exprimir-se, ler, escrever, contar, criar, comunicar. E, neste país, a violência começou a desaparecer, a qualidade da saúde (física e psíquica) melhorou, os homens e as mulheres descobriram que podiam permitir-se ser felizes.
Um dia, os homens e as mulheres que ainda vivem, sobrevivem no planeta CALAR, tornado inabitável, decidirão talvez, não exilar-se e ir viver para o planeta ESPERAR, mas aprender a comunicar, a trocar, a partilhar de uma outra forma.
Perguntar-me-ão onde fica o planeta ESPERAR.
Confesso: é urgente inventá-lo em cada cantinho de universo, em cada lugar onde há vida.
Jacques Salomé
Contes à aimer. Contes à s’aimer
Paris, Albin Michel, 1994

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